Os Maçons Ingleses no Brasil

Os Maçons Ingleses no Brasil


       Na relação de membros fundadores do Grande Oriente do Brasil em 1822 consta o nome de José Ewbank, pertencente à "Loja Comércio e Artes na Idade de Ouro", com o nome simbólico "Artaxerxes". Na mesma relação, contendo nada menos do que 96 nomes, aparecem também José Bonifácio de Andrada e Silva, "Pitágoras", e Joaquim Gonçalves Ledo, "Diderot".
       Trata-se do mesmo Joseph Ewbank nascido na Inglaterra em 1791 e que no ano de 1815 residia na Rua do Ouvidor nº52, no Rio de Janeiro. Em 1837, participou como fundador da "Orphan Lodge nº 616" no Rio de Janeiro, a primeira Loja de ingleses no Brasil, jurisdicionada diretamente à Inglaterra.
       A menção desse fato destina-se evidenciar a tradicional acolhida fraterna que os maçons brasileiros têm proporcionado aos seus Irmãos ingleses ao longo dos anos. Praticamente todos os fundadores das primeiras cinco Lojas inglesas mais antigas começaram sua vida maçônica em Lojas brasileiras, trabalhando em português. Ao pretenderem ter suas próprias Lojas, faziam-no por uma questão de idioma e também pelo sentimento comunitário.
       Na realidade, a Maçonaria é uma parte integrante dos vários aspectos da sociabilidade da comunidade inglesa no Brasil. Ela está tão integrada que em muitas ocasiões seus templos maçônicos se localizavam em escolas britânicas, junto a igrejas anglicanas, no Rio de Janeiro,  em São Paulo e Niterói.
       Peter Swanson foi o primeiro a registrar em livro os fatos ligados a Lojas de ingleses no Brasil. Além de fazer menção às três primeiras Lojas fundadas por ingleses no Brasil e diretamente ligadas à Grande Loja da Inglaterra, ele faz um relato da formação em 1912 do Grande Capítulo do Rito de York, cuja denominação na língua inglesa era de "Grand Council of Craft Masonry in Brazil", uma Grande Secretaria de Rito do GOB que englobava as sete Lojas do Rito então existentes. Ele fez uma análise detalhada dos fatos que precederam a formalização do acordo firmado entre o Grande Oriente do Brasil e a Grande Loja Unida da Inglaterra em 1912, e as vantagens desse acordo, que concedeu aos maçons de língua inglesa do GOB uma independência quase igual à que seria obtida em 1935 pela formação de uma Grande Loja Distrital inglesa no Brasil. Peter Swanson foi Venerável Mestre da Loja "Eureka nº 3" em 1922, da "Lodge of Friendship nº 12" em 1923, participou da assinatura do Tratado que formou a Grande Loja Distrital e foi seu primeiro Grão-Mestre de 1935 até 1953, quando foi sucedido por Ernest Cunningham.
       James Martin Harvey, com certeza o mais prolífico de todos, foi membro de várias Lojas do distrito inglês. Em 1961, Ernest Cunningham, Grão-Mestre Distrital da América do Sul, solicitou ao V.Ir. James M. Harvey para que escrevesse a história do Distrito. e ao escrever  seu livro The English Craft in Brazil nos deixou 80 anos de história maçônica. Seu livro foi publicado em 1972 pela Grande Loja Distrital da América do Sul em uma edição comemorativa dos seguintes eventos:
  • 150 anos de existência do Grande Oriente do Brasil 1822-1972
  • Visita ao Brasil do Pró-Grão-Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra, Rt. Hon. Earl Cadogan, em julho de 1972
  • 70 anos de existência da Loja Unity
  • 50 anos da Loja Centenary
       Para realizar esse trabalho, James M. Harvey manuseou e leu exaustivamente os livros de atas da maioria das Lojas inglesas e nos deixou um admirável acervo em forma de trabalhos que apresentou em Loja. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo, Grande Oficial da Grande Loja Unida da Inglaterra e membro honorário do Grande Oriente do Brasil.
       Graças ao trabalho de pesquisas realizado em Londres pelo V. Ir. Ernest E. Cromack, temos hoje um histórico mais esclarecedor sobre as três primeiras Lojas inglesas fundadas no Brasil no século XIX. todas ligadas diretamente à Inglaterra. Ernest Cromack foi membro da Loja Eureka no Rio de Janeiro e, após seu retorno definitivo à Inglaterra, ao final de sua carreira profissional no Brasil, conseguiu levantar importantes dados sobre Lojas nos arquivos da Grande Loja da Inglaterra. O resultado de seu trabalho foi apresentado na Loja "Quatuor Coronati" e publicado no livro Ars Quatuor Coronatorum nº 80, de 1967, sob o título "English Freemasonry in Brasil - A Short History".

Fase I - Lojas Ligadas Diretamente
à Grande Loja da Inglaterra

       A primeira menção da Maçonaria Inglesa com relação à América do Sul encontra-se registrada em ata de reunião da Grande Loja da Inglaterra realizada em 17 de abril de 1735. A ata dessa reunião relata a aprovação de uma proposta nomeando o Ir. Randolph Took, Esq., para o cargo de Grão-Mestre Provincial para a América do Sul.
       Não existe nenhum registro de que nessa época houvesse alguma Loja inglesa nessa parte do mundo, não havendo, pois, qualquer razão prática para essa nomeação que, evidentemente, foi feita honoris causa. Mas o fato constitui-se em ponto de partida para qualquer relato sobre a Maçonaria Inglesa na América do Sul.
       Depois dessa referência à América do Sul, mais um século haveria de passar até que qualquer iniciativa para  formação de uma Loja inglesa se materializasse, e esta ocorreu no Brasil. Foi no ano de 1834 que a Grande Loja Unida da Inglaterra emitiu uma Carta Constitutiva (Warrant) para a Orphan Lodge (Loja orfã) para começar a trabalhar no Rio de Janeiro.
       A iniciativa provavelmente partiu do Ir. Joseph Ewbank. Ele fora iniciado na Maçonaria em Londres, em 1810, na Old King's Arm Lodge nº 28, e é descrito nos registros da Loja como comerciante, residindo em Birchin Lane. Chegou ao Rio de Janeiro cinco anos mais tarde, tendo sido recebido como cidadão de respeito e fazendo contato com maçons brasileiros. Ele consta também como um dos fundadores da Loja "Comércio e Artes" - na qual o primeiro imperador do Brasil foi iniciado - tendo também tomado parte na fundação do Grande Oriente do Brasil em 1822.
       No entanto, como já relatado anteriormente, dentro de poucos meses o imperador tinha ordenado o fechamento do Grande Oriente. Seus membros foram proscritos e perseguidos. Maçons proeminentes foram jogados nas prisões ou forçados a deixar o país, tendo seus bens confiscados. Joseph Ewbank possivelmente foi um deles, pois deixou o Brasil por essa época, e dele ouvimos falar novamente em Gibraltar, onde se filiou à "Calpean Lodge nº 748" em 1824, vindo a ser seu Venerável Mestre alguns anos mais tarde.
       Quando o imperador abdicou em 1831, a situação maçônica no Brasil melhorou substancialmente. Provavelmente nunca se saberá se o retorno de Ewbank foi por mera coincidência ou foi porque então encontrara caminho livre. O fato é que ele regressou ao Rio e se tornou um dos fundadores e o primeiro Venerável Mestre da primeira Loja inglesa no Brasil, a "Orphan Lodge nº 616".

Orphan Lodge nº 616

       A petição, contendo apenas sete assinaturas, foi enviada a Londres em novembro de 1833. A Carta Constitutiva (Warrant) somente foi emitida em dezembro de 1834, mas de um ano após o envio da petição, passando-se mais outros dois anos e meio até que a Loja fosse finalmente constituída. Não se encontrou até agora uma explicação para essa longa demora, porém há evidências de que a taxa requerida para a emissão da Carta Constitutiva somente foi recebida em Londres no terceiro trimestre de 1836. É muito pouco provável quer o Grande Secretário liberasse a Carta sem o recebimento da respectiva taxa, ocasionando que esta chegasse ao Rio somente no início de 1837.
       A nova Loja parece ter começado de maneira bastante simples, sem qualquer semelhança com o impressionante cerimonial de consagração que conhecemos atualmente. Durante os quatro anos seguintes a Loja cresceu de seus sete membros fundadores para um total de 40 membros. É fruto de especulação, mas não deixa de ser sugestiva a hipótese de a Loja ter recebido esse nome, Loja Órfã, em vista de ter sido a primeira Loja constituída no hemisfério sul subordinada à Grande Loja Unida da Inglaterra.
       Os Relatórios Anuais eram enviados a Londres anualmente, acompanhados de extratos de usas atas. Mas tudo isso era totalmente ignorado pela Grande Loja Unida da Inglaterra. Em maio de 1839, dois anos após a constituição da Orphan Lodge, seu Venerável Mestre escreveu para o Grande Secretário lamentando a falta de qualquer comunicação de Londres. Quase 18 meses depois, em setembro do ano seguinte, outro Venerável escreveu que, desde a instalação da Loja, eles continuavam sem qualquer comunicação direta da Grande Loja.
       Depois de transcorrido outro ano, o Venerável seguinte enviou ao Grande Secretário as cópias das duas cartas anteriores, manifestando sua insatisfação pela contínua indiferença com relação aos trabalhos da Orphan Lodge. Não há registro de qualquer resposta por parte da Grande da Loja, sendo esta a última comunicação da Loja que foi encontrada. Sabe-se que ela ainda existia cerca de oito a nove meses depois, de vez que a ata da Loja St. John's de maio de 1842 registra a oferta do uso de suas instalações à sua coirmã. Não existe, porém, qualquer outro registro que nos indique o que realmente ocorreu. Pelo visto, sabemos que a Loja "Orphan" perdeu seu local de reuniões e, aparentemente, estava tendo dificuldade para encontrar outro local. Agrande Loja parece ter tido pouco interesse em sua prosperidade e assim, depois de uma curta jornada de apenas cinco  anos, a Orphan Lodge deixou de existir.

Saint John's Lodge nº 703

       Ainda durante a existência da Orphan Lodge ocorreu a formação de uma segunda Loja no Rio de Janeiro. Era a "St. John's Lodge" nº 703. Seguiu-se outro começo bem-sucedido, pois o crescimento do número de membros superou o da própria Orphan Lodge.
       O destino dessa segunda Loja, a St. John's nº 703, foi praticamente o mesmo da anterior. A petição para a Carta Constitutiva foi enviada em setembro de 1839, mas esta foi extraviada dentro da Grande Loja, tendo de ser elaborada e enviada uma duplicata. Como resultado, a Loja foi constituída somente em 27 de janeiro de 1842. Os Relatórios Anuais da Loja foram enviados por um período ligeiramente mais longo do que os da anterior e demonstram que houve um robusto crescimento no número de seus membros, ou seja, dos oito fundadores para um total de 51 quando foi enviado o último relatório, em 1849.
       Após apenas uns poucos anos, essas duas Lojas deixaram de enviar Relatórios à Grande Loja Unida da Inglaterra e, eventualmente, tiveram seus registros cancelados em 1862.
       Sempre se pensou que essas Lojas se viram forçadas a cessar suas atividades em decorrência de oposição por parte do Grande Oriente do Brasil, mas da quantidade de documentos encontrados recentemente nos arquivos da Grande Loja da Inglaterra, nos quais se baseia a maior parte deste relato, parece agora mais plausível que a grande parte dessa culpa se deveu à própria Grande Loja Unida da Inglaterra.
       Seguindo a prática de sua coirmã, a Saint John's Lodge fazia um relato anual de suas atividades ao Grande Secretário, anexando cópias das atas. Considerando a aparente indiferença de que ambas se queixavam, é surpreendente o fato de que seus membros se dessem a esse trabalho. Lembremos que nessa época ainda não existiam as máquinas de escrever, não havia papel carbono e cada cópia adicional tinha de ser feita à mão. Manter essa regularidade nos relatórios, ano após ano, sem despertar qualquer atenção por parte da Grande Loja, nos indica que nossos Irmãos tinham um elevado senso do dever e o desejo ardente de manter contato com Londres. É fato que nessa época a Grande Loja estava ainda no processo de integração após a União das duas Grandes Lojas em 1813, a dos Antigos e a dos Modernos, e que o gabinete do Grande Secretário não tinha a eficiência que conhecemos atualmente. Porém, mesmo tendo isso em mente, é difícil encontrar uma razão pela qual essas duas Lojas fossem tão completamente ignoradas.
       Os maçons brasileiros e ingleses sempre tiveram as mais amistosas relações, apesar de cultivarem opiniões diversas sobre as práticas maçônicas. A formação da primeira Loja inglesa parece ter sido aceita sem reclamações, não existindo evidências de quaisquer interferências por parte do Grande Oriente, mas com o aparecimento da St. John's Lodge e, por conseguinte, o estabelecimento de uma segunda Loja estrangeira em território nacional, a situação já mudou de figura. Houve oposição crescente e esta se fez sentir quando a Loja teve de buscar por um novo lugar para suas reuniões.
       Isso foi em setembro de 1844. Ao saber dessa necessidade, a Loja "Comércio", do GOB, ofereceu suas instalações. Um gesto amistoso que foi de bom grado aceito com efusivos agradecimentos. Mas o Grande Oriente não deixou de manifestar seu desprazer, porém se passaram três anos até que fosse tomada alguma ação. A despeito da falta de algumas atas desse período, há razões para acreditar que o Grande Oriente propôs que a Loja viesse trabalhar sob sua jurisdição, autorizando-a a continuar trabalhando em língua inglesa, desde que abdicasse da Carta Constitutiva da Inglaterra. Em outubro de 1846, a ata da Loja menciona que:
"O Irmão Roberts deu conhecimento à Loja de que o Grande Oriente teria prorrogado por mais seis meses o prazo dado à nossa Loja a respeito de certas questões sob consideração."
       A Loja, ao que parece, não tomou qualquer atitude, de forma que no final do ano seguinte o Grande Oriente decidiu fazer valer sua autoridade. A Loja "Comércio" foi notificada de que a presença de uma Loja estrangeira não poderia mais ser tolerada. A "St. John's" não poderia mais fazer uso das instalações de Lojas brasileiros e a isso se seguiu uma circular a todas as Lojas proibindo a intervisitação e quaisquer comunicações com a Loja inglesa.
       Até então a Loja tinha estado trabalhando por sete anos. Todos os requisitos da Grande Loja, tais como Relatórios Anuais, remessas de taxas e anuidades, e outras obrigações administrativas, tinham atendidas. Mas, além dos certificados de Mestres Maçons emitidos pela Grande Loja da Inglaterra, nenhuma outra comunicação tinha vindo de Londres. Apenas dois anos antes o V. Mestre tinha escrito ao Grande Secretário e, entre outros assuntos, fez referência às suas relações com o Grande Oriente:
       "A questão pendente com o Grande Oriente ainda permanece 'in statu quo' e a Loja ansiosamente aguarda pela decisão do Grande Conselho que lhe possibilitará determinar sobre a posição a ser tomada."
       Fica evidente que esse problema com o Grande Oriente já tinha sido relatado a Londres, sem o recebimento de qualquer expediente de parte do Grande Secretário. Esse apelo posterior, igualmente, ficou sem resposta.
       A oposição do Grande Oriente era cada vez mais sentida, de forma que a completa ausência de qualquer orientação de Londres deve ter sido desalentadora. À luz dessa aparente falta de interesse não é surpresa que encontramos os Irmãos indagando-se se não seria melhor romper os laços com a Grande Loja e se transferirem para o Grande Oriente do Brasil.
       Não se sabe até hoje se a Loja se compôs com o Grande Oriente ou se simplesmente deixou de existir. Não há qualquer indício de outras comunicações com Londres após 1849. Finalmente, em 1862, a "Saint John's Lodge" nº 703 teve seu registro cancelado nos livros da Grande Loja da Inglaterra, juntamente com a de sua coirmã, a "Orphan Lodge" nº 616.

Southern Cross Lodge nº 970

       No Nordeste do Brasil, em Pernambuco, uma terceira Loja foi constituída em 1856. Foi a "Southern Cross Lodge" nº 970. (Loja Cruzeiro do Sul). Seu principal organizador e fundador foi o Irmão H. Augustos Cowper, cônsul britânico na cidade de Recife, que enviou a petição de uma Carta Constitutiva diretamente para o conde de Zetland, o então Grão-Mestre.
       A petição é datada de março de 1856. A Carta Constitutiva foi emitida um mês depois e a Loja foi constituída em julho. Tudo dentro de um prazo de quatro meses. Uma enorme diferença em relação ao tempo que levou para constituir as duas Lojas anteriores do Rio de Janeiro. O cônsul, naturalmente, tinha a vantagem de poder usar a mala diplomática para sua correspondência, e não resta dúvida de que seu contato direto com o Grão-Mestre também ajudou a apressar as coisas.
       Nada se sabe sobre as atividades da Loja, pois infelizmente os extratos das atas não foram enviados a Londres. No entanto, logo após sua formação, foi enviada uma carta ao Grande Secretário da Grande Loja da Inglaterra contendo o seguinte parágrafo:
       "Por determinação do Venerável Mestre venho informar que, com a abertura da Loja aqui, foi considerado cortês fazer uma comunicação dessa circunstância ao Grande Oriente, e que a resposta recebida foi de natureza nada fraterna. Eles declaram que, de acordo com um artigo de sua Constituição, não podem reconhecer qualquer Loja formada no Brasil que tenha sua Carta Constitutiva outorgada por outra Grande Loja que não a do Brasil, e que, em consequência, não manterão qualquer correspondência fraternal conosco, como também nenhuma Loja sob sua jurisdição será autorizada a manter qualquer comunicação conosco."
       Essa carta foi devidamente considerada pela Comissão Colonial da Grande Loja, e o Grande Secretário enviou uma simpática resposta, que não foi de grande ajuda, e a Loja decidiu não tocar mais no assunto. De qualquer forma, provavelmente por causa da distância envolvida - Pernambuco fica a mais de 2 mil quilômetros do Rio -, não houve oposição de monta e a Loja continuou a trabalhar sem interferências.
       Sobreviveu por uma questão de 15 anos, mas nunca conseguiu tornar-se realmente forte. Na proporção em que novos membros entravam, outros saíam ou faleciam, assim que a inabilidade de adquirir pujança talvez tenha sido a provável causa de seu fechamento.
        O número da Loja foi alterado para 672 quando a Grande Loja refez sua numeração em 1863. O último relatório encontrado nos arquivos da Grande Loja Unida da Inglaterra tem data de 1872, e a Loja "Southern Cross" foi removida de seu registro em 1892.

Tentativas de Reativação

       Durante a existência dessa Loja pernambucana, e também posteriormente no Rio de Janeiro, foram feitos vários contatos com a Grande Loja da Inglaterra, em diferentes ocasiões, com o objetivo de estabelecer outras Lojas no Brasil. Efetivamente, três dos antigos membros da Orphan Lodge tentaram revivê-la e, em março de 1860, escreveram ao Grande Secretário em Londres:
       "Os abaixo assinados, únicos membros da Orphan Lodge, nº 616 desta cidade, com a assistência de outros Irmãos da St. John's Lodge nº 703, também desta cidade, estão dispostos a recomeçar os trabalhos da antiga Loja."
       Foi dada autorização para reativar a Carta Constitutiva adormecida e consta nos registros que foram realizadas algumas reuniões e até houve iniciação de candidatos, porém não há disponibilidade de detalhes e não foi enviado Relatório à Grande Loja. Está evidenciado, porém, que a reabertura foi de curta duração, pois a solicitação foi repetida em 1864. Era vazada em termos ligeiramente diferentes e concluía:
       "Fomos levados a entender que, pela fala de relatórios, e outras circunstâncias, muitas Lojas foram recentemente canceladas. Estamos ansiosos para sermos informados se podemos realizar nossas reuniões sob a velha Carta Constitutiva ou se devemos requerer uma nova."
       O Grande Secretário respondeu que não tinha recebido nenhuma comunicação do Rio após a permissão dada 1860, portanto:
       "A Orphan Lodge foi formalmente convocada a fazer seu Relatório antes de 21 de maio de 1861. Nenhuma resposta foi recebida sobre essa convocação e em setembro de 1861 foi passada uma resolução determinando a várias Lojas - e entre elas a Orphan Lodge, para oficiarem à Grande Loja, em março de 1862, as razões por que não deveriam ser extintas.
       A Orphan Lodge parece não ter feito qualquer comunicação por escrito e em decorrências foi extinta, não podendo ser reativada. E sabendo que existe agora um Supremo Corpo Maçônico nos Brasis, o Grão-Mestre não outorgará Carta Patente para uma nova Loja."
       Os mesmos três Irmãos escreveram imediatamente ao Grande Secretário asseverando que não tinham recebido nenhuma convocação ou comunicação, o que os teria colocado inteiramente à margem dos passos tomados para a extinção de sua Loja. Solicitaram a reconsideração dessa extinção e enviaram uma petição para uma nova Loja Orphan, que estava assinada por três membros da antiga Orphan Lodge e quatro membros da St. John's Lodge. No devido tempo o Grande Secretário respondeu que a extinção da antiga Loja não poderia ser revogada e:
       "Com respeito à petição de uma nova Loja, fui orientado a informar que o Grão-Mestre se sente compelido a negar o pedido dos peticionários, eis que existe agora uma Suprema Potência maçônica nos Brasis, sendo contrário às relações amigáveis entre Corpos maçônicos o estabelecimento de uma Loja por parte de autoridade estrangeira, em um Estado ou território já ocupado por Autoridade maçônica regular."
       Tudo isso deve ter sido recebido como um doloroso golpe. Eles tinham permitido que, por descuido, a antiga Loja prescrevesse e que agora estava perdida para sempre. Sua petição para uma nova Carta Patente tinha sido recusada, e a razão dada pelo Grande Secretário, embora não estritamente correta, indicava uma mudança de política em relação ao Brasil. A Grande Loja tinha estado a par da existência de Corpos maçônicos brasileiros quando, em 1856, concedeu a Carta Constitutiva para a Southern Cross Lodge, em Pernambuco. Da mesma forma quando autorizou a reativação da Carta Patente adormecida da velha Orphan Lodge em 1860. E agora, apenas quatro anos mais tarde, uma nova Carta estava sendo recusada.
       O padrão dessas correspondências era muito similar nas várias tentativas subsequentes para conseguir Cartas Patentes. Duas delas são deveras interessantes. A primeira foi enviada do Rio de Janeiro em 1877 com uma petição para formar a Wanderers Lodge nessa cidade.
       ''Vivem nesta cidade e província pelo menos 250 maçons de língua inglesa, os quais, em virtude das contínuas dissensões na Ordem local, e da maneira extremamente lassa em que são conduzidos os trabalhos, acham quase impossível continuar sua conexão com qualquer dos Corpos rivais que alegam jurisdição aqui, ficando consequentemente sem uma base neutra comum em que possam se reunir para assuntos puramente maçônicos.''
       A alegação em relação aos Corpos rivais era com referência à cisão havida no Grande Oriente do Brasil em 1863, quando este se partiu em dois, o Grande Oriente do Brasil - Vale do Lavradio, e a facção rival que se autodenominou de Grande Oriente do Brasil - Vale dos Beneditinos.
       A Grande Loja ficou assim informada da existência de dois grupos opostos, porém não houve mudança de postura de Londres. O Grande Secretário respondeu:
''É meu dever informar que desde muito tem sido regra estabelecida desta Grande Loja de nunca conceder uma Carta Patente para o estabelecimento de uma Loja em qualquer lugar onde exista uma Grande Loja nativa.''
       Isso interpreta corretamente a mudança política da Grande Loja, de que não se entremeteria onde existisse outra Grande Loja, mesmo que sua soberania estivesse em disputa.

Fonte: Genz, Plínio Virgilio. A maçonaria inglesa no Brasil/Plínio Virgilo Genz. - São Paulo: Madras 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário